O nascimento de uma nova norma no âmbito da ISO (Internacional Organization for Standadization), a ISO 37.001 – Sistemas de Gestão Antissuborno, responde a uma preocupação com o impacto da corrupção em todo o mundo, especialmente o suborno.
Sendo uma norma de requisitos, ela é passível de certificação voluntária por terceira parte, podendo ser aplicada por qualquer organização,
Independentemente de seu porte, natureza do negócio, se é pública ou privada, com ou sem fins lucrativos.
A norma traz diretrizes e exemplos que facilitarão muito o entendimento dos diversos requisitos.
Assim como ocorreu com as demais normas ISO implantadas mundialmente para gerar transparência e confiança na cadeia de valor produtiva, com essa norma não será diferente, sendo também um incentivo para que as organizações demonstrem sua postura e liderança no combate à corrupção e ao suborno.
A ISO 37.001 nasceu de uma reunião realizada em Londres, em junho de 2013, e teve o seu escopo e título aprovados pelo ISO Technical Management Board, em setembro desse mesmo ano.
Em seguida, ela foi desenvolvida e validada através do comitê técnico ISO PC 278 Anti-bribery management systems, que utilizou como base a BS10.500, publicada na Inglaterra pelo BSI em novembro de 2011.
No entanto, buscando facilitar a sua implementação pelas organizações, adotou-se a estrutura preconizada para as normas de Gestão ISO, inclusive na consideração de sistemas integrados.
Ao longo do desenvolvimento da norma, foram realizadas quatro reuniões, sendo a primeira em Miami (2014), seguida por Paris, Kuala Lampur e México, esta última entre 31 de maio e 2 de junho 2016, com a presença de 65 especialistas de países participantes (com direito a voto), incluindo o Brasil, de países observadores, além de organizações internacionais interessadas no tema, como a OECD – Organization for Economic Cooperation and Development, a Transparency International, a ASIS International - American Society for Industrial Security, a IICO - Independent International Organization for Certification entre outras.
A Norma deve ser publicada em Genébra até outubro de 2016.
Em seu preâmbulo, ela traz o que já havia sido definido pela Convenção Antissuborno da OCDE (2011), complementando-o para o ambiente de negócios:
O suborno é um fenômeno generalizado.
Isso levanta sérias preocupações morais, econômicas e políticas, abala a boa governança, impede o desenvolvimento e distorce a concorrência.
Ela corrói a justiça, mina os direitos humanos e é um obstáculo para o alívio da pobreza.
Também aumenta o custo de fazer negócios, introduz incertezas às operações comerciais, aumenta o custo de bons serviços, diminui a qualidade de produtos e serviços, o que pode levar à perda de vidas e bens, destrói a confiança nas instituições e interfere no justo e eficiente funcionamento dos mercados.
A norma cita a responsabilidade das organizações em contribuir proativamente para o combate ao suborno, através do compromisso das lideranças em estabelecer uma cultura de integridade, transparência e conformidade, uma vez que a natureza e qualidade da cultura organizacional é fundamental para o sucesso ou fracasso de um Sistema de Gestão Antissuborno.
Analisando o contexto mundial, e principalmente o do Brasil, a norma chega em um momento sem precedentes na história do país, com uma extrema complexidade socioeconômica e a criação de novos marcos regulatórios relacionados a esse tema.
Em 2016, de acordo com o FMI, mais de sete trilhões de reais serão perdidos em corrupção em todo o mundo, valor que é 19% maior que o PIB brasileiro de 2015, que foi de 5,9 trilhões de reais.
Segundo o jurista Modesto Carvalhosa, em entrevista à Revista Super Varejo, “por conta da corrupção, dois terços da população no mundo vivem em condições de fome, de miséria absoluta e sob exploração, resultando até mesmo em migrações de populações inteiras".
No Brasil, a partir das operações investigadas no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público, estima-se que a corrupção já alcance R$ 200 bilhões, ou 3,3% do PIB em 2015.
Isso equivale a 50% de todo o gasto com saúde no Brasil em 2015, e um terço dos investimentos em Educação.
E, o que é pior, com o avanço das investigações, esse valor pode crescer ainda mais.
O impacto da crise moral, política e econômica no Brasil contribuiu para o fechamento de 1,8 milhão de empresas em todo o país em 2015, fazendo com que o desemprego superasse o índice de 10%, atingindo todas as camadas sociais.
Essa mesma corrupção também contribuiu para que as empresas brasileiras estejam renegociando no exterior dívidas de USD 24 bilhões.
HISTÓRICO DAS INICIATIVAS DE COMBATE A CORRUPÇÃO
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção Desde os anos 90, a corrupção passou a figurar como tema de interesse dos mais diferentes países que, regionalmente, começaram a definir acordos de ação conjunta para tratar desse problema. Entretanto, as primeiras convenções firmadas não cobriam todas as regiões do mundo.
Também alguns acordos apenas se referiam a abordagens específicas, como o suborno, por exemplo.
Portanto, a comunidade internacional decidiu delinear um acordo verdadeiramente global e capaz de prevenir e combater a corrupção em todas as suas formas.
Assim, nasceu a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que foi aberta à assinatura dos Estados nacionais em 2003.
No capítulo que trata sobre prevenção à corrupção, a convenção prevê que os Estados Partes implementem políticas efetivas contra a corrupção, que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado de Direito, tais como integridade, transparência e responsabilidade. Devem também adotar sistemas de seleção recrutamento com critérios objetivos de mérito.
Devem desenvolver códigos de conduta que incluam medidas de estímulo a denúncias de corrupção por parte dos servidores, e de desestímulo ao recebimento de presentes, ou de qualquer ação que possa causar conflito de interesses.
Os processos licitatórios devem propiciar a ampla participação e dispor de critérios pré-estabelecidos, justos e impessoais.
A convenção contempla medidas de prevenção à corrupção não apenas no setor público, mas também no setor privado.
O capítulo sobre cooperação internacional enfatiza os esforços anticorrupção entre países, tais como assistência legal mútua na coleta e transferência de evidências, nos processos de extradição, e ações conjuntas de investigação, rastreamento, congelamento de bens, apreensão e confisco de produtos da corrupção.
A OCDE E OS DECRETOS COM IMPACTOS EXTRATERRITORIAIS
Até 1980, muitos países, como a Alemanha, não proibiam suborno de oficiais do governo fora do seu território. De fato, o suborno era frequentemente visto como uma maneira de estabelecer ou fortalecer os interesses e influências dos negócios das empresas no exterior.
Mas isso mudou significativamente após a implementação do FCPA – The US Foreign Corrupt Practices Act.
Usando uma lei local, e em seguida, usando sua diplomacia, os Estados Unidos iniciaram uma campanha ativa contra subornos, pressionando outras regiões a adotarem tratados e ações já definidos por organizações internacionais.
Consistentemente com o seu escopo, a OCDE passa a tratar suborno e corrupção como uma preocupação perene e, em 1989, ela organiza uma força tarefa para analisar as legislações nacionais existentes para combater o suborno de oficiais públicos estrangeiros, resultando na recomendação de um Conselho Ministerial para coibir suborno em transações internacionais (1994).
As recomendações finalmente formaram a base para a Convenção antissuborno assinada em 1997 e que entrou em vigor em 1999.
A convenção está alinhada com as ações das Nações Unidas, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, da Organização Mundial do Comércio – OMC e da Organização dos Estados Americanos - OEA, sendo que mais de 40 países ratificaram a Convenção.
Hoje, com os esforços globais de aplicação de leis anticorrupção, têm crescido tremendamente os riscos para empresas (e indivíduos) que ainda persistem nos caminhos da corrupção, principalmente para as empresas que operam globalmente, até porque, a maior parte das Leis e Decretos adotados por vários dos países têm aplicação extraterritorial.
REFERÊNCIAS DOS DECRETOS EM VIGOR MUNDIALMENTE
Em termos globais, há um conjunto regulatório significativo que busca combater a corrupção, destacando-se:
The FCPA - Foreign Corrupt Practices Act (the FCPA)
The United Kingdom Bribery Act 2010 (the UK Bribery Act)
ASIA – Chinese and Hong Kong anti-corruption Law Additional Asian Domestic Anti-Corruption laws: Japan, South Korea, India, Thailand, Vietnam, Indonesia, Malaysia Canadian Anti-Corruption Law Mexican Anti-Corruption
Law German Anti-Corruption Law French Anti-Corruption
Law Russian Anti-Corruption Law
O Brasil não ficou de fora:
Lei no. 12.846/2013 – Lei Anti-Corrupção – agosto.2013 – Decreto 8.420 – Empresa Limpa – janeiro.2014 Projeto de Lei no. 4850/2016 - em 05/07/2016, o tramita em comissão especial A ISO 37.001, em apoio aos avanços no Compliance.
Nunca se investiu tanto volume de recursos para resolver a situação em que seencontram diferentes empresas no Brasil, utilizando-se serviços de especialistas de grandes firmas de auditoria ou de escritórios de advocacia, dependendo da situação.
Importante ressaltar que a norma ISO 37.001, excluiu do seu escopo fraudes, cartéis e crimes relacionados à concorrência (como formação de truste) e lavagem de dinheiro. Que se encontra cada organização.
Algumas das práticas mais comuns das empresas são as seguintes:
Contratação de serviços para desenvolvimento e implementação de programas de compliance;
Contratação de auditorias para avaliar eventuais gaps de controle, permitindo reações rápidas e correções necessárias, evitando-se assim contingências;
Empresas que já identificaram fragilidades em seus sistemas estão atuando nas ações e se antecipando aos possíveis impactos dos riscos tomados;
Empresas em processos de investigação pela justiça ou em processo de condenação também contratam serviços jurídicos ou de auditoria;
Nesse contexto, o Sistema de Gestão Antissuborno, ISO 37.001, traz uma série de contribuições às organizações, agregando de maneira significativa para o aprimoramento de suas ações de compliance e integridade: A ISO 37.001 pode ser incorporada facilmente aos Programas de Compliance já existentes em muitas Organizações.
A cadeia de fornecimento de organizações que adotarem a ISO 37.001 será naturalmente engajada, e espera-se que atue proativa e preventivamente na implementação dos seus próprios sistemas.
Muitas organizações já desenvolvem seus programas de compliance utilizando como referências os guidelines do FCPA e da OCDE.
Uma comparação dos guidelines para e a estrutura da norma ISO 37.001 permite verificar que a adoção da nova norma será fácil e trará benefícios para as organizações que o fizerem.
INTEGRIDADE: A palavra de ordem!
A integridade é mais ampla que o compliance. As políticas da organização devem estar alinhadas ao contexto e à complexidade local e global, pois uma empresa não consegue atuar isolada desse contexto e do momento histórico.
Esse alinhamento é a Integridade, e o Compliance é uma estratégia para assegurar a sua integridade.
O principal atributo de um programa de integridade são os valores das pessoas e da organização.
Caso os valores não estejam bem definidos e não sejam trabalhados de forma consistente e intencional pela organização, nenhum programa de integridade irá funcionar, pois os valores que irão surgir espontaneamente não são aqueles desejados pela empresa.
Treinamento e conscientização só dão retorno dentro de um ambiente coerente, onde as políticas estão alinhadas ao contexto, os procedimentos e controles levam em conta a sustentabilidade e são materializados na prática.
É a ação constante para fortalecer a integridade na companhia que irá gerar resultados.
Nesse sentido, muitas empresas erram ao imaginar que apenas divulgar princípios de ética e de conduta em um documento seja suficiente para que esses princípios sejam, de fato, seguidos por todos.
Se fosse assim, seria suficiente alertar as pessoas para que elas cumprissem a lei.
Finalmente, vale lembrar que as organizações surgem dentro de um determinado contexto social.
Se as pessoas dessa sociedade não comungam de valores elevados, a empresa terá maior dificuldade em adotar valores positivos.
Por isso, contribuir para a criação de uma cultura de integridade e de sustentabilidade na sociedade é uma tarefa que se apresenta a organizações e indivíduos do mundo todo.
E a melhor forma de contribuição é transformar palavras e intenções em atitudes e práticas.
É isso que irá expressar nossos verdadeiros valores.
Se conseguirmos ter uma cultura que não busque apenas mitigar erros que já ocorreram, mas que se esforce em criar um círculo virtuoso de integridade, o capital social que emergirá será muito rico e irá naturalmente combater as desonestidades presentes no cotidiano e que formam, por fim, o ambiente propício para o crescimento da corrupção.
Forjar uma sociedade com valores que levem à integridade é um desafio de todos.
Rosemary Vianna é membro da delegação Brasileira pela ABNT, no Comitê ISO TC 278, para desenvolvimento da Norma, e membro da Comissão Especial de Estudos da ABNT para lançamento da norma no Brasil.
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