8 de junho de 1708. Passarem-se quase oito anos desde que o Rei Louis XIV instalou o seu neto Filipe no trono espanhol levando a Europa à Guerra da Sucessão Espanhola, um conflito opondo os Ingleses, Holandeses e Austríacos contra Louis XIV da França e Felipe da Espanha.
A dezesseis milhas da costa de Cartagena (Colômbia) o Capitão inglês Charles Wager persegue e afunda o San José, um galeão espanhol com uma tripulação de 600 pessoas e que transportava o ouro, prata e jóias que seriam utilizadas pela financiar o esforço de guerra da Espanha e da França.
A maioria da tripulação do San José morreu nesta batalha e a carga do navio afundou com ele, a qual, nos dias atuais valeria algo entre US$ 4 a 17 bilhões de dólares.
O presidente colombiano, Juan Santos declarou que o San José foi descoberto em um local não revelado, anunciando planos para um construir um museu para exibição de sua carga, desencadeando uma Disputa Internacional com o governo da Espanha.
Por sua vez, uma empresa norte-americana especializada em salvamentos - Sea Search Armada (SSA), responsável pela localização do navio, tinha anteriormente celebrado um acordo contratual para dividir qualquer carga recuperada com o Governo Colombiano.
Dias depois do anúncio da descoberta do tesouro do San José, a chancelaria espanhola invocou o direito de propriedade da Espanha sobre o San José e se comprometeu a "defender os seus interesses" sobre o galeão e sua preciosa carga.
Assim surgem diversas questões jurídicas:
1) 307 anos depois que o navio afundou, quem possui agora a titularidade do San Juan?
Não obstante os termos da legislação colombiana, uma análise dos Tratados Internacionais e estudos de Direito Internacional Público indicam que a Espanha terá a maior chance em ganhar o pleito, uma vez que o entendimento dominante é de que navios de guerra afundados continuam a ser propriedade do "Estado de Bandeira" (termo utilizado para indicar o Estado proprietário original da embarcação).
Neste estudo, a analise jurídica será limitada na disputa entre a Colômbia e a Espanha, porque o direito alegado pela empresa SSA é baseado em seu contrato particular com a Colômbia - o que depende de uma decisão prévia reconhecendo o direito da Colômbia sobre o navio.
Em 2013 a Colômbia sancionou uma Lei declarando que quaisquer artefatos culturalmente importantes (incluindo navios afundados) submersos em águas sob jurisdição da Colômbia são de propriedade da Colômbia.
Esta Lei foi na verdade promulgada para garantir a propriedade sobre naufrágios espanhóis como o San José, dada a história colonial da Colômbia como uma fonte de fornecimento ao império de ouro, prata e jóias.
Esta legislação interna, no entanto, contradiz um consenso emergente no Direito Internacional Consuetudinário (baseado nos usos e costumes e não em legislação específica). A análise sob o prisma do Direito Internacional baseia-se nos Tratados Internacionais em vigor.
No entanto nem a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), nem a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático (Convenção da UNESCO) são particularmente esclarecedoras.
De acordo com o artigo 149 da CNUDM resta definido que artefatos afundados de valor culturais deverão ser preservados "para o benefício de toda a humanidade", enquanto o "direito de preferência" são reservados para "o Estado ou país de origem, ou no Estado de origem cultural ou do Estado de origem histórica e arqueológica do artefato".
2) Esta disposição autorizaria qualquer país sucessor do império americano da Espanha a reivindicar seus direitos preferenciais?
O artigo 303 da CNUDM não é esclarecedor, afirmando em geral que os direitos dos "donos identificáveis" deverão ser preservados.
Da mesma forma, a Convenção da UNESCO não define os direitos de um Estado aos navios não comerciais ou aeronaves. Seu artigo 7, no entanto, não favorece o direito dos Estados costeiros, dizendo que eles apenas "deverão" previamente informar o Estado de Bandeira antes de iniciar a prospecção de um naufrágio. Mesmo esta disposição, no entanto, não é útil para o caso do San José, uma vez que a Colômbia não é signatária da UNCLOS (Convenção das Nações Unidas para a Legislação Marítima) ou da Convenção da UNESCO.
Em vez disso, devemos olhar para o que é estabelecido no Direito Internacional Consuetudinário, uma vez que somente 51 países ratificaram a Convenção da UNESCO (dentro dos não participantes encontram-se os Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, Japão e outras potências marítimas importantes), o que nos obriga a relevar as suas disposições, compelindo a análise apenas como parte do Direito Internacional Consuetudinário.
Os estudiosos têm mostrado, no entanto, um padrão consistente utilizado por países que requerem prévio consentimento dos Estados de Bandeira antes de explorar os seus navios de guerra afundados, independentemente do local onde estes navios serão encontrados.
Um relatório do Instituto de Direito Internacional, por exemplo, identificou 16 estudos de casos relacionados com a propriedade de navios de guerra afundados.
Em 11 casos, as partes concordaram que o país originalmente proprietária do navio de guerra retem os seus direitos sobre os mesmos, ainda que estes sejam localizados nas águas sob jurisdição de outro países.
Outros casos, embora diferindo em detalhes, sugerem uma relação semelhante em favor dos direitos do Estado de Bandeira, reiterando a prática de pedido de autorização prévia de parte do Estado que pretender explorar atividades de salvatagem em navios afundados.
Em outro caso, a Alemanha e a França não consideraram a natureza da propriedade estabelecendo uma regra impeditiva de realização de operações de salvatagem de navios afundados como um todo.
No caso da "recuperação secreta" da CIA de um navio soviético afundado (Glomar Explorer) sem a permissão do URSS, sugeriu que os Estados Unidos tinham dúvidas sobre a obrigação legal de informar um Estado de Bandeira.
Em apenas um caso de 1976 o Tribunal Distrital da Flórida concedeu uma empresa de salvamento privado os direitos sobre um galeão espanhol, em contradição ao consenso utilizado pelo Direito Internacional Consuetudinário. Este caso no entanto deixou de servir como base jurídica ao direito de propriedade, uma vez que em 2001, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que uma outra empresa de salvamento não podia reivindicar direitos sobre dois galeões espanhóis encontrados próximos a costa do Estado da Virgínia.
Além disso, França, Alemanha, Japão, Rússia, Espanha, Reino Unido e os Estados Unidos têm reconhecido oficialmente que os Estados de Bandeira só perderiam a soberania sobre navios de guerra afundados caso renunciassem expressamente do seus direito de propriedade.
Em 2015, o Instituto de Direito Internacional recomendou a todos os Estados codificarem esta compreensão do Direito Consuetudinário Internacional firmando entendimento uniforme de que "os navios do Estado afundados são imunes à jurisdição de qualquer Estado que não seja o Estado de Bandeira."
Um considerável número de estudiosos do direito marítimo internacional, incluindo J. Ashley Roach, Mariano Aznar-Gómez, Jason Harris, Miguel Garcia-Revillo e Miguel Zamora, concordam que os navios de guerra permanecem sob a jurisdição exclusiva do Estado de Bandeira. Esta obrigação legal é suportado pelo tradicional respeito dado aos túmulos de marinheiros caídos.
3) O que fazer com a carga do San José?
Embora o Direito Internacional Consuetudinário seja relativamente uníssono no reconhecimento do direito de propriedade espanhol do San José, não existe um entendimento pacífico sobre o direito aplicável sobre a propriedade da sua carga.
No passado, por exemplo, o Peru reivindicou a posse "patrimonial" da carga encontrada no galeão espanhol Mercedes.
No presente caso a Colômbia embasa seus argumentos em entendimentos semelhantes apresentados no caso galeão espanholMercedes justificando o deito sobre a carga uma vez que a mesma se constitui de ouro e prata vigorosamente extraídos dos Incas (no que é moderna Peru).
Outro jornal peruano argumenta que a Espanha moderna não seria a única sucessora do Império Sul-Americano então "pertencente" a monarquia católica e, portanto, este não deveria ser o único proprietário da carga do San José.
O Tribunal Federal de Apelações dos Estados Unidos decidiu no processo do galeão espanhol Mercedes que, apesar reivindicação do direito patrimonial e de soberania do verdadeira do Peru, a Espanha era a efetiva proprietária dos direitos sobre o navio bem como de sua carga.
4) Conclusão:
Discussões á parte, o caminho atualmente buscado pela diplomacia de ambos os países é no sentido de ao invés de buscar uma solução litigiosa, a Espanha tende a concordar com o plano da Colômbia de criar um museu que abriga a carga do San José e a preservação subaquática, evitando a degradação dos artefatos submersos.
No entanto, ambos os lados poderiam também considerar a criação de uma zona de preservação histórica em torno dos destroços sob jurisdição colombiana quer em perpetuidade ou sob um contrato de arrendamento a longo prazo. França e Estados Unidos, por exemplo, chegaram a acordos semelhantes para naufrágios descoberto ao largo das costas dos dois países.
Cerca de 600 pessoas morreram mais de 300 anos atrás para proteger a San José e apoiar vasto império da Espanha. Hoje, é o dever da comunidade internacional chegar a um acordo que respeite a vida dos marinheiros, a história do San José, e do direito internacional estabelecido.
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